Uma análise praxeológica das relações intersubjetivas

Henrido
9 min readSep 21, 2020

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Hoje em dia é muito fácil afirmar um culpado para as crises econômicas ou para injustiça social. Há escolas de pensamento que indicará que o mercado, as vezes como sinônimo para o capitalismo, é causador da crise e da desigualdade — ou por sua ganância, ou pelo psicológico dos indivíduos — e há escolas de pensamento que indicará que o estado é o causador — com suas intervenções distorcendo as relações mercadológicas.

Há muito tempo fui convencido de que o causador das crises é o próprio estado, que distorce as relações mercadológicas. Apesar do argumento que me convenceu ser consistente, sempre vi a necessidade de justificar essa proposição. Não demorou muito tempo até que me venha a pergunta: mas qual a diferença crucial entre estado e mercado para que eu possa dizer, com precisão, quem é o causador das crises e da desigualdade?

Das relações intersubjetivas

A pobreza é o estado inicial do ser humano. Iniciamos assim no mundo e nos desenvolvemos ao longo do tempo. Nascemos indefesos e dependeremos de nossa capacidade física — energia — e da nossa mente — compreensão de como transformar o a natureza — para não apenas adquirir os recursos disponíveis ao nosso redor, mas transformar eles e realocar eles para nos satisfazer e, portanto, melhorar nossa condição de vida. Melhorar a condição da vida tem como requisito a produção — obter recursos, transformar eles e realocar eles — e da troca do recurso produzido por outros recursos.

O comércio é um fenômeno que permitiu o aumento da produtividade e do consequente aumento na qualidade de vida. Ele permite que, por exemplo, numa sociedade as pessoas possam produzir para se satisfazer e satisfazer os seus concidadãos. Porém, não só do comércio as relações intersubjetivas se sustentavam. Houve, e ainda há, quem busca obter algo pelo meio da violência ainda que o comércio tenha demonstrador uma maior eficiência em multiplicar a capacidade produtiva.

Até agora podemos concluir, então, que há duas formas de se estabelecer uma relação intersubjetiva: i) uma relação baseada em proposição — troca mútua e voluntária, onde os participantes reconhecem a si como iguais por praxe— e; ii) uma relação baseada na imposição — apropriação violenta e coerção, onde um dos participantes não reconhece o outro, por praxe, como seu igual.

Isso vai vai soar muito similar a fala de Oppenheimer, que diz que há duas formas de se obter algo: i) O trabalho, produção ou troca voluntária — meio econômico — e; ii) apropriação violenta, coerção e agressão — meio político. Caso recorramos a Mises, veremos que ele determina as diferenças das duas relações como o “alcance das escolhas individuais na determinação do curso dos acontecimentos” (Mises, 2010). Ele ainda complementa dizendo que quando a relação lógica entre os indivíduos é simétrica, temos uma cooperação baseada no contrato — meio econômico — , mas caso a relação lógica dos envolvidos seja assimétrica, temos uma cooperação baseado na hegemonia — meio político.

Da mesma forma que, para sabermos se uma ação é propositada ou instintiva, teremos que recorrer a observação¹, para concluirmos se uma relação intersubjetiva será proposicional ou impositiva, teremos que recorrer a observação. Porém, não vejamos estas relações pertencentes a uma mesma natureza que podem incorrer em uma “relação híbrida” — uma relação tanto proposicional quanto impositiva. Caso o agente homem João engaje em uma ação que afete o Gustavo e, nesta ação, fica reconhecido que a ação de João pressupõe uma assimetria na lógica da relação, sendo direta ou indiretamente afetado, Gustavo, está sob uma relação impositiva, ou como dirá Mises: hegemônica. Ainda que o Gustavo engaje em uma relação intersubjetiva que nos pareça proposicional — contratual — , seu fim considera as condições impostas por João — imposições baseado numa ação que pressupõe uma assimetria na relação.

O meio econômico: relação proposicional

Quando nos engajamos em um relação, onde para eu obter o recurso de outrem eu entro em um consenso onde a única influência que determinará a troca — que é uma ação por definição — é a comparação única e exclusivamente dos recursos permutados, estou estabelecendo uma relação proposicional: o meio econômico. A troca ocorrerá mediante a proposição dos termos e mediante ausência de sinais de violência — que, caso exista, será somada a utilidade do recurso que receberei e afetará minha valorização, portanto — será uma troca livre e voluntária.

Postular o que é uma troca livre não é algo tão simples, por isso, irei definir o termo liberdade, para que meu postulado sobre a relação proposicional seja justificada. Ao que tange a praxeologia, a liberdade se refere ao “modo de ações alternativos” (MISES, 2010). A liberdade, para praxeologia, é a capacidade de escolher fins e os meios para seus fins. Pode-se concluir, portanto, que liberdade também poderá ser restringida pelo meio que nos cerca — natureza e outros indivíduos. Liberdade, num contexto de relação social, refere-se a capacidade do indivíduo de autodeterminar seus fins — é a garantia da autonomia individual. Seguindo esta linha de raciocínio, liberdade num contexto social, portanto, é a ausência das limitações externas que determinará o percurso da ação e das relações intersubjetivas.

“Liberdade de imprensa implica a rejeição ou negação da censura. Porém, quando afirmada explicitamente, significa um estado de coisas no qual somente o autor determina o conteúdo de sua publicação, em contraste com um estado no qual a polícia tem o direito de interferir naquele assunto” (MISES, 2017).

É plausível deduzir que para o indivíduo engaje em uma relação totalmente voluntária, ele deverá total direito a propriedade de seu corpo e dos recursos naturais que descobriu e transformou com a força de seu trabalho. A propriedade do meu corpo, por exemplo, não é respeitado quando engajo em uma relação impositiva como o pagamento de impostos, por exemplo. Antes de qualquer coisa, o imposto é uma ameaça ao meu corpo — quando me nego a pagar, sofrerei as consequências estabelecidas que pode se estender a agressão física caso eu resista — , o que me fará muda o curso de minha ação.

“Numa sociedade hegemônica e totalitária, a única liberdade de que o indivíduo dispõe, porque não lhe pode ser negada, é a liberdade de cometer suicídio” (MISES, 2010)

A lógica das relações proposicionais que tange, por exemplo, a troca de recursos escassos — economia — , nos permite tirar vários corolários econômicos pela qual o presente escrito não tem como fim elucidar. Ainda assim, para título de exemplo, as relações proposicionais da troca de recursos escassos, nos permitirá a compreender como funciona o processo de mercado, a estrutura de capital, a moeda, o fundo para empréstimos e a fronteira da possibilidade de produção.

O meio político: relação impositiva

“O estado, o aparato social de coerção e compulsão, é necessariamente um poder hegemônico. Se o governo tivesse a possibilidade de expandir o seu poder ad libitum, poderia abolir a economia de mercado e substituí-la por um socialismo totalitário onipresente” (MISES, 2010).

Apesar de que, para Mises, o estado é uma consequência da relação hegemônica — relação impositiva — , ele finaliza a citação acima indicando que a forma para evitar este totalitarismo, seria necessário “controlar o poder do governo²” (MISES, 2010). Porém, ainda que possamos discordar de Mises, nosso objetivo é descrever a praxe das relações intersubjetivas e as condições necessária para que cada uma delas ocorra. No caso da ação impositiva, as condições necessárias é uma relação lógica baseada, como dirá Mises, na assimetria.

Pressupõe-se, acredito que corretamente, que nossas ações interferem nas ações de nossos concidadãos — direta ou indiretamente. Portanto, determinar uma relação que interfere na ação de outro como impositiva, ao meu ver, seria determinar toda ação — afetando direta ou indiretamente — como impositiva, o que nos permitiria concluir que, ao comprar uma última garrafa de água de uma prateleira, por exemplo, eu estaria “coagindo” os demais que precisariam adquirir este recurso. Por este motivo, achei importante deixar claro que, o que determinará se uma relação intersubjetiva é, ou não, impositiva, é pressuposições lógicas da relação — como uma ação que pressupõe uma assimetria entre ambos os indivíduos.

Deixando isso estabelecido, faz sentido concordarmos que Rothbard estabelece que a relação impositiva — o que ele chamará de meio político — é manifestado pela interferência através da violência, ou sobre ameaça da mesma, nas relações intersubjetivas³. Apesar de Rothbard estabelecer a violência como meio político, ele, em “Anatomia do estado”, comenta que sua afirmação vem de Franz Oppenheimer.

Oppenheimer, em minha opinião, fez uma ótima análise definindo o estado pela sua praxe e mostrando como, historicamente, o estado se constituiu — os seis passos de Oppenheimer. Ele cunha que existem dois meios auto excludentes de se obter algo: o meio econômico e o meio político. O meio político é o resultado da expropriação, violando então a propriedade de outrem roubando o seu trabalho. Pode-se concluir, tal como fizeram Mises, Oppenheimer e Rothbard, que o estado é um conjunto do meio político.

A lógica das relações impositivas — política — , nos permite tirar vários corolários econômicos pela qual o presente escrito não tem como fim elucidar. Ainda assim, para título de exemplo, as relações impostivias, nos permitirá a compreender como funciona a intervenção autística, binária e a triangular⁴.

A praxes é o que importa

Quando digo que a praxes é o que importa, minha afirmativa tange as pressuposições necessárias para que ela ocorra. No exemplo da relação impositiva — relação hegemônica ou meio político — , a praxe do agente homem pressupõe uma assimetria, que é baseado no não-respeito a propriedade privada. Quando tentamos determinar uma causa que resultará num determinado efeito, é necessário fazer uma análise precisa dos eventos que cercam nosso estudo.

“Ação humana é um dos instrumentos que promovem mudança. É um elemento de atividade e transformação cósmica. Portanto, é um tema legítimo de investigação científica. Como — pelo menos nas condições atuais — não pode ser rastreada até suas origens, tem de ser considerada como um dado irredutível e como tal deve ser estudada” (MISES, 2010).

Uma investigação científica sobre o que determina crises ou desigualdade social, está sob as mesmas condições que Mises determinou. Precisamos “regredir” até o ponto inicial e compreender qual tipo de praxe levou aos demais eventos.

“Para prever corretamente eles também devem prever corretamente o quanto, por assim dizer, cada fator contribuiu e o instante no qual a sua contribuição se tornará efetiva. E, posteriormente, os historiadores se depararão com a mesma dificuldade, ao analisar e tentar compreender o caso em retrospecto” (MISES, 2017)

O estudo científico da ação humana, mais precisamente, o seu estudo referente a história da ação humana, não é algo tão simples. Baseando-se em corolários praxeologicos, podemos chegar na conclusão de que determinadas ações geram determinados resultados e ver isso se manifestar na realidade, mas somente um estudo muito profundo sobre a história que nos permitirá compreender, de fato, o que gerou determinadas crises ou desigualdades sociais. Porém, existem algumas coisas que podemos afirmar tranquilamente, como, por exemplo, dizer que não foi o capitalismo o causador da desapropriação da propriedade, uma vez que, ainda que aceitemos “definições externas”, sua definição é baseada numa relação proposicional — como, por exemplo, quem define capitalismo como uma relação salarial — , não impositiva — relação necessária para desapropriar alguém.

OBSERVAÇÕES

[1] Na página 35 de “Ação Humana”, Mises deixa claro que “As pessoas têm uma tendência para acreditar que as fronteiras entre comportamento consciente e a reação involuntária das forças que operam no corpo humano são mais ou menos indefinidas. Isto é correto apenas na medida em que, às vezes, não é fácil estabelecer se um determinado comportamento deve ser considerado voluntário ou involuntário. Entretanto, a distinção entre consciência e inconsciência é bastante nítida e pode ser bem determinada”, essa determinação necessitará, portanto, da observação.

[2] Não, Mises não é ancap.

[3] Se pegarmos tudo o que foi escrito até este momento, podemos concluir que esta assimetria — que é pressuposto no ato violento ou ameaça da violência — pode ser justificada pelo ato onde o agressor não reconhece a propriedade privada de outrem, coagindo o mesmo utilizando de sua propriedade privada.

[4] Clique aqui para ser direcionado para o livro que definirá estas formas de intervenção.

REFERÊNCIAS

HOPPE, Hans-Hermann. Uma breve história do homem: progresso e declínio. LVM Editora, 2018.

OPPENHEIMER, Franz. The State: Its history and development viewed sociologically. Vanguard Press, 1922.

VON MISES, Ludwig. Ação Humana. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

VON MISES, Ludwig. Teoria e a história. LVM Editora, 2017.

ROTHBARD, Murray N. A anatomia do estado. Instituto Ludwig von Mises, 2012.

ROTHBARD, Murray N. Governo e mercado: a economia da intervenção estatal. Instituto Ludwig von Mises, 2012.

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Written by Henrido

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