Os juízos a priori

Henrido
6 min readOct 27, 2019
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O que você acharia de alguém, se este determinar é necessário calcular a expressão matemática “5 + 5” em diversos lugares do mundo, a todo momento, para saber se o resultado será, realmente, “10”? O que é necessário contar a todo momento para saber que todo triângulo possui três lados?Parece-me um absurdo, não? O mais engraçado é que, muito provavelmente, quem critica este tipo de universalidade — ou seja, um conceito que ocorre em todos os casos — é o primeiro a dizer que, para saber se um conhecimento realmente é útil, é necessário que haja um teste — que deverá ser, em todos os casos, empírico.

Este escrito é uma continuação de um escrito que fiz anteriormente onde eu faço uma simples crítica aos empiristas puro, que negam todo e qualquer juízo a priori. O objetivo do escrito que mencionei, também, servia para demonstrar que a Escola Austríaca de Economia tem um determinado apreço pela experiência, ao contrário do que muitos dizem. Mas este escrito servirá apenas para exemplificar o significado do Juízo a priori.

O motivo

Quando eu fiz meu escrito anterior, duas foram as principais críticas que recebi: i) fui direto ao ponto, não embasei o argumento suficientemente e; ii) tudo o que eu havia escrito, já está nos livros.

Aqui eu resolverei o primeiro ponto, pretendo justificar muito bem os meus argumentos com a finalidade de sustentar meu escrito anterior. O segundo ponto, infelizmente, não será resolvido. É óbvio que, o que falarei aqui já foi discutido, porém, por n motivos, a leitura sobre epistemologia não parece ser necessária para muitos.

Das formas de se obter conhecimento: o juízo a priori

O juízo, conhecimento, é toda relação entre o sujeito e predicado. Tão logo, toda proposição que contém um sujeito e um predicado, é determinado como um juízo. Este juízo poderá adicionar algo não presente ao sujeito — juízo sintético — ou algo já contigo no sujeito — juízo analítico. Por acrescentar algo ao sujeito, podemos dizer que os juízos sintéticos são os que nos geram conhecimento, ao contrário dos juízos analíticos. Há conhecimentos que, sim, surgem da experiência, mas há, também, conhecimentos que não dependem, exclusivamente, dela. O juízo a priori é o caso em que não há dependência da experiência e das impressões dos sentidos.

Em diversas vezes, dei um destaque a palavras que traziam sentido de universalidade e necessariedade. O motivo é bem simples, esta é característica de um juízo apriorístico — a priori, para Kant, é o conhecimento que não tem origem exclusiva da experiência. Universalidade significa a independência de tempo e lugar, a necessariedade significa que não seria de outro modo. Para exemplificar, antes mesmo de eu submeter a qualquer tipo de teste, é universal e necessário que um triângulo terá três lado — ele será verdadeiro antes da experiência e a experiência o validará como verdadeiro.

Observem, nada de novo foi adicionado ao sujeito triângulo. Já está contido nele o fato de que ele têm três lado e, necessariamente, todo triângulo terá três lados. Podemos classificar o conceito “possui três lados” como um juízo analítico e, como o triângulo necessariamente terá três lados, o que independerá da experiência, ele será um juízo a priori. Temos, então, um exemplo de juízo analítico a priori².

Não me parece um absurdo admitir que todo triângulo possuirá três lado, muito menos um ato de fé. Vamos, agora, tratar dos juízos sintéticos a priori.

Agora imaginemos o seguinte cenário. Vamos adicionar ao sujeito indivíduo o conceito de agir propositalmente para atingir um fim. Ou seja, estamos determinando que indivíduos agem propositalmente para atingir um fim. No ato de alguém tentar negar esta proposição, antes mesmos de experienciar, ele já estará afirmando como verdadeiro, uma vez que estará agindo propositalmente para atingir um fim — fim este que será a tentativa de negar o juízo determinado. E isso ocorrerá em todos os casos e é necessário que seja assim³.

Observem, algo novo foi adicionado ao sujeito indivíduo. Não estava contido nele o fato de que este age propositalmente para atingir fins. Podemos classificar o conceito “age propositalmente para atingir fins” como um juízo sintético e, como indivíduos necessariamente agem propositalmente para atingir fins, o que independerá da experiência, ele será um juízo a priori. Temos, então, um exemplo de juízo sintético a priori.

Muitos chamam isso de falácia lógica ou argumento circular, mas o que ocorre é que antes mesmo de experienciar, o juízo já era verdadeiro e, quando adicionado as sensações da ação — como tentar negar a própria proposição — este juízo se adequou a realidade, mostrando-se, novamente, verdadeiro.

Tão logo, caso, por exemplo, um indivíduo venha a “sair de sua casa para tomar um sorvete”, vemos aqui o juízo novamente será evidenciado, já que ele agiu — saiu de sua casa — para atingir um fim — tomar um sorvete. Devo reforçar que por ser algo novo acrescentado ao sujeito, o juízo sintético a priori expande o conhecimento, gerando conteúdo científico.

É óbvio que não basta simplesmente determinar um juízo como a priori que ele será verdadeiro, vou dar um exemplo com o nosso juízo sintético que acabamos de usar, modificando o conceito. Vamos adicionar ao sujeito indivíduo o conceito de agir propositalmente e, necessariamente, atingir seu fim. Ou seja, estamos determinando que indivíduos agem propositalmente e atingem, necessariamente, seu fim. No ato de alguém tentar negar esta proposição, antes mesmos de experienciar, por ser dado como a priori, esta pessoa precisaria atingir seu fim — de acordo com o pressuposto — que seria “ter sucesso em negar o pressuposto”. Porém, se assim o fizesse, haveria uma contradição, uma vez que ela afirmaria o juízo ao mesmo tempo que ela negaria — ela afirmaria no sentido de conseguir atingir seu fim — conforme o conceito determinou — mas como seu fim era tentar negar o juízo, então o juízo, necessariamente, deveria ser falso.

A diferença entre agir propositalmente para atingir um fim e agir propositalmente e atinir, necessariamente, seu fim é que a primeira proposição define que ele busca atingir um fim — podendo, ou não, ter sucesso — , e a segundo afirma que ele sempre terá sucesso — o que seria falso, conforme demonstrei.

Então, ainda que eu adicionasse um conceito ao sujeito, que não estava contido nele e que não dependeria da experiência, a experiência demonstraria que o juízo era falso: tão logo, ele não era verdadeiro antes mesmo da experiência acontecer e nem posterior a ela. Ele não era necessariamente e universalmente verdadeiro. Por isso, como crítica aos racionalistas, Kant admite que “sem a experiência, dados na intuição, os pensamentos são vazios de mundo”.

Vimos que o juízo a priori não é uma mera definição e que possui requisitos. Existem muito mais conteúdo acerca dos juízos a priori, mas este breve comentário já serve para elucidar a questão. Vimos também que o juízo a priori possui o caráter de universalidade e necessariedade, como, por exemplo, “todo conhecimento vem da experiência”, ou, “só será possível conhecer algo, se submetido ao teste de verificação”. Então, podemos concluir que, para quem cita estes dois exemplos como verdadeiro, eles estão dizendo basicamente que: “A priori, todo conhecimento vem da experiência”.

O arquétipo apriorístico

Definimos e mostramos alguns exemplos de juízos a priori, mas precisamos ir um pouco mais longe: como se forma o juízo a priori?

Primeiro, temos que ter em mente que tratemos aqui de juízos a priori puros. Juízos a priori impuros seriam aqueles juízos que, por exemplo, abstrai-se de uma experiência, como que “toda mudança tem uma causa” onde “mudança” abstrai-se da experiência. Portanto, o a priori puro, será livre da sensação e terá caráter necessário para a nossa faculdade cognoscitiva. Ele será necessário para que a experiência ocorra e ocorra de tal maneira.

A sensibilidade é o meio de recebermos o objeto — e sua representação — enquanto ele nos afeta. E o juízo imediato que fazemos deste objeto, e que servirá como meio a qualquer pensamento, irá se chamar intuição. Esta intuição só será possível a partir do momento que refletimos internamente sobre nós mesmos. O juízo a priori, então, parece antecipar uma determinada experiência universalizada.

Conclusão

É uma lástima quando leio que “juízos a priori são contos de fada” e a dor se estende quando o mesmo indivíduo defende que o “método, necessariamente, tem que ser empírico”. É óbvio, o exagero também ocorre para quem defende o apriorismo ao máximo e as correções também serão necessárias. Para estas duas alas:

“Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas… somente a partir de sua união pode surgir a cognição”

[1] Obviamente, a fé é uma concepção muito mais profunda do que o termo usado popularmente. De forma alguma o objetivo é desrespeitar.

[2] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Editora Vozes Limitada, 2017.

[3] VON MISES, Ludwig. A ação humana. LVM Editora, 2017.

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Henrido

‘Quem não é capaz de servir ao próximo, quer governá-lo.’ [Praxeologista] [Economista] [INTJ-T] Vai comprar na Amazon? Acesse por aqui http://amzn.to/2LHu6r1