Os agentes racionais e o mercado como um processo de descobertas: corolários praxeológicos

Henrido
7 min readNov 3, 2019

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Eu já comentei, em um dos meus escritos, que já ouvi muitos mitos sobre a Escola Austríaca. O mais batido, é sobre o apriorismo e o empirismo, que já respondi em um escrito. Este escrito que farei, será sobre o mitos dos “agentes super-racionais”.

Geralmente quando se fala de “indivíduos super-racionais”, se refere a indivíduos que acertam o tempo todo. É óbvio que isso é um devaneio. Para que a Escola Austríaca pudesse admitir isso, sua visão sobre o mercado, necessariamente, precisaria ser um visão de decisões em constante equilíbrio, uma vez que os agentes não errariam. Qualquer indivíduo que tenha pego um livro qualquer da Escola Austríaca, já sabe que o mercado é visto como um processo de descoberta e, aqui, irei justificar o motivo. Portanto, eu irei descrever como funciona a ação proposital — que pressupõe a razão — e como o fenômeno do mercado se comportará por conta disso.

Ação humana como uma ação propositada

Quando tratemos de ação humana, devemos ter em mente que estamos falando de uma ação proposital, onde, por conta da nossa capacidade de usar a razão, colocamos nossa vontade em prática na busca de obter um determinado fim. Quando Mises complementa que a ação proposital é “procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta do ego aos estímulos e às condições do seu meio ambiente; é o ajustamento consciente ao estado do universo que lhe determina a vida”, ele o faz para evitar possíveis equívocos sobre interpretação: uma pena Mises não ter previsto que muito de seus críticos não se importariam em conhecer o conceito antes de criticar.

O argumento de “indivíduos super-racionais” não se sustenta quando vemos que Mises admite que ação pode, também, ocorrer sem que haja o uso da razão. Para ele, há duas ações que se contrastam: a ação proposital e ação inconsciente/instintiva — ação humana e a reação animal. É bem nítida a diferença entre os arquétipos de ação, ainda que haja momentos que não podemos definir, precisamente, uma fronteira para definirmos quando uma ação é, ou não, proposital. O que trataremos aqui é o arquétipo de ação proposital: a ação humana.

O postulado da ação proposital tem como premissa as categorias de escolhas, valores, meios, fins, preferência, lucro, custo, prejuízo, e, também, o tempo e a causalidade. Tão logo, se eu pudesse organizar um mapa formal para expressar a ação proposital, eu imagino que seria da seguinte forma: Indivíduos agem para atingir determinados fins —para que ele troque os meios pelo fim, este precisa ser mais valorado que aquele — , para isso ele deverá interferir, ou evitar a interferência, em um momento anterior para um resultado a posteriori. Esta interferência usará de, ao menos, um recurso escasso para gerar esse resultado. Esses meios usados terá um valor objetivo, para este indivíduo, pois ele deve considerar o uso destes para atingir seu fim. Esta ação só poderá ser executada sequencialmente, pois envolverá escolhas. Ele não será capaz de atingir todos os objetivos simultaneamente, pois toda ação envolverá um determinado custo e, por fim, este objetivo deverá lhe causar algum lucro.

A irracionalidade

O arquétipo da ação proposital foi definida, mas algumas coisas precisam ficar bem claras. Ainda que usemos a razão, e esta é um dos requisitos necessários para a ação proposital, pode ocorrer de falharmos em atingir um determinado fim. Nós usamos nossas experiência e a capacidade de criar nexos causais, mas assim como usamos a nossa razão para resolver um equação matemática complexa e acabamos errando, o fato de não atingir o fim não torna a ação irracional. Meu ponto aqui é que não faz sentido admitir que determinada ação foi irracional por escalar, “erroneamente”, determinados meios em busca de determinado fim e, no final, falhar.

A falha de uma ação proposital não falseia o uso da razão, muito menos os instintos e propensões inatas que guiam, em determinados momentos, o homem. Há quem acredita estar certo de que a racionalidade é superficial e que, o postulado da ação proposital — como uma ação resultante do uso da razão — não poderá ser a base da ciência econômica e, por conclusão, explicar eventos econômicos. E estes mesmos indivíduos usam de fenômenos como ações instintivas para justificar esta crença. Ainda que os instintos, ou a má interpretação da causalidade, possa parecer o necessário para desacreditar a praxeologia, devemos lembrar que esta lidará com os “meios usados para consecução do fim pretendido”, como diria Mises em Ação Humana.

Outro argumento que ouço para tentar desqualificar a ação proposital é o fator da emoção. O ser humano está sob a influência de eventos externos e internos. Portanto, o indivíduo que agir sob o efeito de uma emoção, ele ainda usará de sua razão para elencar fins e identificar meios para atingir estes fins, mas ele agirá propositalmente com a valorização de meios e fins distorcidos: ele agirá emocionalmente. O indivíduo que agir sob estas condições “supervalorizará” o fim e “subvalorizará” os meios, vamos assim dizer. Podemos admitir isso apenas em comparação deste indivíduo com ele mesmo, mas sem a influência da emoção. A emoção não anulará a razão ou negará que indivíduos agirão propositalmente, ela apenas indicará que: de acordo com o arquétipo da ação proposital, o indivíduo agirá sob influência de sua emoção que fará com que ele elenque meios para atingir determinados fins que, se não fosse a influência da emoção, ele provavelmente não o faria.

Por último, o argumento mais repetido que busca invalidar a ação proposital, é o que ignora a subjetividade e o arquétipo da ação. Veja, eu comentei aqui que indivíduos podem errar quando elencam determinados meios para atingir determinados fins e isso fica bem claro nos postulados expressos por Mises. Mas nesta linha de raciocínio, há quem tente falsear o postulado da ação proposital com a própria subjetividade. Podemos tomar como exemplo o indivíduo que passa o dia todo no trabalho para sustentar sua família em vez de ir para casa e ficar com a mesma. Para alguns, estar com a família é mais valorado do que trabalhar para sustentar ela e que, portanto, este indivíduo estaria agindo de forma irracional e, tão logo, indo contra o postulado da ação proposital. Nada poderia estar mais longe da verdade. Fins, meios, experiências e outros fatores da ação são subjetivos. Eu até posso admitir que estar com a família é mais valoroso do que trabalhar o dia inteiro para sustentar ela, mas isso não significa que estarei tratando de uma verdade apodítica. Estarei apenas expressando o que, para mim, seria mais valoroso.

O mercado como um processo

Mises, assim como Hoppe e Rothbard, é tomado como um radical da Escola Austríaca. Sempre que críticos da Escola Austríaca vão falar sobre racionalidade e de mercado com intenção de criticar, estes autores são os alvos — óbvio que erram feio e acabam espantalhando, infelizmente. Pensando nisso, resolvi fazer um escrito baseando, apenas, nos livros e artigos destes autores. Agora o objetivo é acabar, também, com esta ideia que de adeptos da Escola Austríaca acreditam que i) o mercado é resultado de agentes super racionais que nunca erram e; ii) Portanto, mercado é um fenômeno perfeito onde não há falhas.

Como o segundo item é um corolário do primeiro, e este já foi falseado, eu poderia considerar meu trabalho como encerrado, mas isso não seria satisfatório. Portanto, vou trazer aqui a visão de mercado através dos corolários praxeológicos.

Para os austríacos a teoria econômica, que estudará o mercado, deverá lidar com fatores que determinam as escolhas, e não com as interações entre magnitudes objetivas. Ao decorrer do tempo, essas mesmas decisões são tomadas sob a condição de incerteza genuína. Quando o indivíduo escolhe— o que determinará uma ação em curso — , as consequências dessa escolha irão depender, ao menos parcialmente, das escolhas dos demais indivíduos, sendo estas feitas ou não. Portanto, um mundo sob a condição de autonomia das decisões individuais implica em um futuro desconhecido, que não poderá ser conhecido ou aprendido. O fenômeno do mercado, por ser uma consequência da ação, também estará sob esta condição. Perceba, a conclusão que podemos chegar é que o mercado, então, será um processo de descobertas onde, as informações conhecidas, serão consideradas as decisões dos indivíduos que agirão de forma que, até podemos ter uma determinada expectativa, mas não seremos capazes de prever.

Este processo acontecerá ao decorrer do tempo. O tempo, para a Escola Austríaca, é conhecido como tempo real/subjetivo e contrapõe o sentido de tempo newtoniano. O tempo real possui três características: continuidade dinâmica, heterogeneidade e a eficácia causal. A continuidade dinâmica é composta por dois elementos em seu arquétipo, sendo estes a memória e a expectativa. Para ficar mais claro, a continuidade dinâmica será a experiência de uma situação inicial que é usada para um parâmetro numa segunda situação no qual esta será um parâmetro para uma terceira situação e assim consecutivamente. Portanto, continuidade dinâmica e o processo de mercado são fenômenos inseparáveis.

Podemos descrever a heterogeneidade como a memória, que será o componente de nossa experiência que liga o passado ao presente. Cada experiência preenche a memória do indivíduo, de forma contínua, entre cada momento que se sucede, portanto, seus valores subjetivos vão se transformando continuamente. Tão logo, a continuidade dinâmica e a heterogeneidade são duas características de um mesmo evento. Mesmo quando nossa expectativa se adéqua com a realidade, dando-nos a sensação da capacidade de prever, a experiência desta não será exatamente como esperávamos, uma vez que no momento da previsão, seu conhecimento, e pontos de vistas, eram diferentes até o momento em que ocorre o fenômeno de nossa expectativa.

A eficácia causal decorre da heterogeneidade. O tempo é intenso e inovador, já que a cada momento é uma experiência de algo novo, alterando a perspectiva individual sobre o mundo. Logo, a competição deixa de ser um estado de equilíbrio, e torna-se um processo que caracterizado pela descoberta. Tão logo, podemos concluir que o mercado será um processo de descobertas de agentes que poderão ter sucesso, ou não, ao agirem para atingir determinado fim. Não vejo como a Escola Austríaca poderia defender outro tipo de agente e mercado se não estes descritos aqui.

REFERÊNCIAS

IORIO, Ubiratan Jorge. Ação, tempo e conhecimento: A Escola Austríaca de economia. Instituto Ludwig von Mises, 2011.

HOPPE, Hans-Hermann. A ciência econômica é o método austríaco. Instituto Ludwig von Mises, 2017.

VON MISES, Ludwig. Ação Humana. Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

ROTHBARD, Murray N. Governo e mercado: a economia da intervenção estatal. Instituto Ludwig von Mises, 2012.

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Written by Henrido

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