Economia dos coelhos: o que o YouTubenomics Desenvolvimentista não vê
Quando eu lia/ouvia o termo “ YouTubenomics”, eu achava uma estupidez sem fronteiras. A mera presunção de que o conteúdo, para ser verídico, precisa se dar por um determinado local — campus universitário — , me deixa perplexo — ou, como diria o pessoal mais moderno, em shock. Esta mera presunção dá procedência para absurdos como: admitir que um triângulo possui três lado no YouTube, fará automaticamente que seja uma afirmativa falsa. Porém, é vendo alguns vídeos sobre economia no YouTube, que me faz compreender o uso deste termo.
Este escrito será para tratarmos o básico da preferência temporal e seus corolários, buscando responder algumas questões levantadas recentemente.
É comum vermos indivíduos admitirem que o investimento poderá ocorrer sem respaldo na poupança e que, na verdade, “ao poupar, os consumidores não induzem os empresários a investirem” e que “uma forte queda de consumo, desestimula o investimento” e que, a “poupança de recursos para investir e aumentar a capacidade produtiva, baseada em recursos reais, é totalmente ridícula e descasado da realidade”. Isso me lembra muito o capítulo introdutório da Teoria Geral, de Keynes, sobre a industria, determinando que a escassez de poupança é resultado da não existência de mercados externos para absorver a produção específica de nosso parque industrial e que a demanda efetiva mundial é requisito sine qua non para expandir o emprego interno e acabar com a ociosidade fabril.
Sobre o requisito necessário para aumento da produção e geração de emprego, eu já respondi neste escrito, a ideia aqui é elucidar o problema geral da expansão de investimento e do consumo simultaneamente — ainda que já tenha feito isso neste meu escrito — partindo de conceitos bem absorvidos pelos estudos sobre economia.
Teoria do consumidor: restrição orçamentária
A microeconomia é, considerado atualmente, o “núcleo duro” da Ciências Econômicas. Desde que me tornei adepto a Escola Austríaca de Economia, o que mais senti falta foi de conteúdos microeconômicos em um livro técnico partindo dos pressupostos austríacos. Muito dos corolários microeconômicos tem bases em Menger e Böhm-Bawerk, ainda assim, acredito que a Escola Austríaca não deva se contentar apenas com estas contribuições, ela deve avançar em conteúdos técnicos que dialoguem com o mainstream.
Geralmente, a abertura do conteúdo de microeconomia se dá pelo mercado e depois se parte para conceitos da teoria do consumidor, como a restrição orçamentária, porém, por hora, irei focar apenas neste último tema.
Em resumo, a teoria do consumidor são corolários partindo do pressupostos que indivíduos consumidores que maximizam a utilidade a de suas escolhas sob a condição de uma restrição orçamentária.
O consumidor maximiza a utilidade adquirindo recursos em que ele tem a expectativa de que será um recurso necessário para atingir um determinado fim. A restrição orçamentária (m) é o recurso monetário que o consumidor tem para pode consumir uma determinada cesta de serviço ( X) esta cesta de serviço poderá ser divida em dois produtos (x1, x2)¹ e seus respectivos preços, (p1, p2). Como anunciado formalmente, a restrição orçamentária é a quantidade de recurso monetário que o indivíduo possui para adquirir determinadas cestas de serviço que maximizará a utilidade dele de acordo com sua expectativa. Portanto, podemos definir matematicamente que:
O leitor deve estar se perguntando por qual motivo foi estabelecido apenas dois produtos se, no mundo em que vivemos, há a possibilidade de se adquirir mais de dois produtos e a resposta é que o bem dois (x2) pode ser considerado como a representação de todas as outras coisas que o consumidor deseja consumir. Ora, se consideramos o produto dois como todas alternativas a mais pela qual os recursos monetários do indivíduos poderá ser direcionado, podemos considerar p2 como 1, já que uma unidade monetária equivale a uma unidade monetária. Portanto, temos a restrição orçamentária representado pela seguinte forma:
Temos, então, a formalização matemática de que, a quantidade gasta para consumir o bem 1 (p1x1), somada com quantidade de dinheiro para consumir os demais bens (x2) não pode ser maior que sua restrição orçamentária (m).
Para ilustrar graficamente a restrição orçamentária, é necessário fazer algumas considerações. Se o indivíduo usar todo seu recurso monetário na compra do bem 1(p1x1), podemos definir que p1x1=m, ou que que m/p1=x1. O mesmo raciocínio também é válido para o bem 2 (x2). Com isso, podemos definir quantas unidades do bem 2 (x2) o consumidor precisa consumir para satisfazer exatamente a restrição orçamentária, se consumir x1 unidades do bem 1, como -p1/p2,² uma vez que a linha reta que formará o gráfico da restrição orçamentária será um intercepto vertical igual a m/p2, conforme gráfico abaixo:
Existe mais algumas questões e formalizações para elucidar a restrição orçamentária, mas eu estaria desviando o foco do escrito, portanto, farei algumas considerações sobre como a restrição orçamentária pode variar, para continuar com o argumento principal do escrito: a necessidade da poupança para que haja investimentos saudáveis.
A mudança dos preços (p1,p2) e da renda (m) movem a reta da restrição orçamentária ou a sua inclinação. O aumento da renda moverá a linha para fora da reta orçamentária, conforme ilustrado abaixo:
E a alteração de preço alterará o comportamento da linha dependendo de qual preço (p1,p2) está sendo alterado. Imaginemos, por exemplo, que apenas o preço do bem 1 (p1) aumentou, parece razoável admitir como verdadeiro a figura abaixo:
Teoria do consumidor: restrição orçamentária intertemporal
Estes cenários consideram apenas o tempo como variável estática, mas é sabido que há comportamentos que mudam as retas orçamentárias entre determinados períodos de tempo. O que estou tentando introduzir aqui é a escolha intertemporal. Neste sentido, o consumidor agora escolhe o que e quanto consumir, ainda sob a restrição orçamentária, entre diferentes períodos de tempo. Imaginemos por exemplo, um consumo de p1x1+x2<m no período t e o que ocorreria com a reta em t+1.
Vemos que, ceteris paribus, um consumo abaixo da renda (m) no tempo t, deslocará a reta da restrição para fora num tempo t+1. Para melhor visualização e interpretação, tomemos que a escolha da quantidade de consumo (p1x1+x2) no tempo t seja definido como c1 e que a escolha da quantidade de consumo (p1x1+x2) no tempo t+1 seja definido como c2. Tão logo, a renda no tempo t será definida como m1 e a renda no tempo t+1 será definida como m2. Ainda sob o que discutimos sobre poupança, podemos definir que se o consumo no tempo t (c1) for menor que a renda no tempo t (m1), a possibilidade de consumo no tempo t+1 (c2), será maior que a do tempo inicial — uma vez que m2>m1 — , conforme imagem ilustrará:
O inverso também é verdadeiro quando tratemos de um consumidor que, em vez de poupar, pega empréstimo, que será quitado em t+1, para consumir mais no tempo t, ele comprometerá sua renda num tempo t+1, conforme ilustrado abaixo.
Portanto, se c1<m1, teremos um indivíduo poupador, porém, se c1>m1, este indivíduo, então, será um indivíduo tomador de empréstimo, conforme ilustra a imagem abaixo:
Se adicionarmos o fenômeno do juro, o consumo, no período t+1, será determinado por c2=m2+(1+r)*(m1-c1). Com o efeito do juro, o indivíduo poupador terá o deslocamento de sua reta orçamentária em t+1 maior do que os recursos monetários poupados no período t. E o indivíduo tomador de empréstimo que comprometeu a renda futura, terá uma sua reta orçamentária deslocada para dentro em t+1 num nível maior do o deslocado para fora no período t. Portanto, uma política monetária expansionista que dá incentivos ao tomador de empréstimo a tomar mais empréstimo, irá comprometer sua renda dependendo do tipo de empréstimo — em diferentes intensidades e tempos destintos.
Ora, se a capacidade de adquirir bens dele diminui no longo prazo, podemos determinar que um determinado nível de crédito barato em uma economia num período t, aumentará — no curto prazo — o nível do consumo dos tomadores de empréstimos — que acabará por modificar as relações mercadológicas da economia — , a troco de que, no longo prazo, o nível de a capacidade de consumir dos indivíduos diminuem.
Os efeitos do crédito barato: a importância da poupança
É bem sabido que o preço determinará os custos de uma cadeia de produção, e não o contrário. Se isso te parece confuso, peço que faça o seguinte exercício mental: devo considerar que é a construção um chassi que gerará a aquisição de um veículo ou é o fato de haver aquisição de veículos é que a produção de chassi ocorreu?
A oferta não cria sua demanda, então, não é pelo fato de construir um chassi que alguém comprará um veículo. Porém, como advogará Say, é fatídico que a produção precede o consumo e esta produção só é possível, pois, os produtores têm a expectativa de que determinados recursos serão consumidos partindo das experiências que ele teve no passado.
Sobre o exercício mental que sugeri, podemos definir que: o sistema de preços resultante da compra de um veículo é o que coordena toda uma estrutura produção deste mesmo produto, fazendo com que a produção de chassi ocorra na expectativa de que alguém o consuma, usando das experiências do passado — a compra deles.
Faz sentido admitir, e aqui repito o que falei no meu escrito sobre consumo e desemprego, que, quando o consumo aumenta temporariamente por conta de crédito sem lastro em poupança, determinados empregos se tornam atraentes para os empreendedores num período t — que seguindo o que estávamos falando sobre consumidores, há um nível artificial de consumo. Empregos estes que certamente desaparecerão num período t+1 — que corrobora com o que havia falado sobre empregos ruins gerarem desemprego, mas torna ainda mais claro a confusão que é presumir que baixo consumo é o que gera desemprego. Sobrará, então, a alteração no fluxo monetário entre diversos setores da cadeia produtiva e a expectativa de um aumento ainda maior de preços num futuro.
Percebam, quanto mais durar este tipo de política que gerou empregos equivocados — política monetária expansionista — , mais empregados dependerão das políticas que permitiram estes empregos equivocados, demandando a continuação de tal política que acelerará, cada vez mais, os efeitos nocivos do crédito barato. Em última instância, é isso que admite um desenvolvimentista que clama por investimentos sem lastro em poupança. Ora, como tu investe sendo que os recursos são direcionados para o consumo e não para a poupança? Você não investe! Mas, quando se admite que a poupança não é necessária, a única alternativa para se adquirir recursos para os projetos — neste caso recursos monetários — é proveniente da expansão monetária deliberada, que causará tudo o que foi discutido aqui. Então, ainda que neguem, é necessário perceber que estes ideólogos das Ciências Econômicas, admitem, nas entre-linha, que, para resolver o problema da economia, “basta imprimir dinheiro”.
Crescimento sustentável: a produção como força motriz
Uma questão que pode ser levantada é a seguinte: Henrido, se a capacidade de consumir diminuir no futuro, por conta dos empréstimos, é ruim para economia, então o paradoxo da poupança de Keynes é verdadeiro e também prejudicial?
A resposta é não. Não consumir no presente por questões de poupança autônoma coordenará a produção para a real demanda dos consumidores que são mais capazes de honrar suas dívidas. É conhecido que um aumento da poupança autônoma, ou poupança voluntária, gera uma redução nos preços dos bens de consumo e que, ceteris paribus, sinaliza que seja economicamente mais viável trocar as mãos de obras por bens de capital — uma vez que o salário real experimenta um aumento. Este efeito alongará a estrutura de produção, permitindo que novos empregos surjam como resposta das demandas atuais dos demais setores produtivos que, agora, terá suas expectativas baseadas em informações verdadeiras — o contrário do que ocorre com o aumento do consumo por expansão de crédito barato. Por fim, vimos que a complexidade econômica não surge do consumo: surge da poupança que coordena a estrutura de capital com reais informações do consumidores que, sim, são o destino final da produção.
Nós não vivemos em um mundo caótico keynesiano onde as coisas acontecem do dia para noite. Estas mudanças ocorrerão ao longo do tempo e, ainda que as máquinas venham a substituir alguns empregados de um setor específico, novos empregos surgem por conta da criação e manutenção destas possíveis máquinas. A aversão as máquinas sempre surge de tempos em tempos, como se estas fossem a causa do desemprego. A história, entretanto, nos mostra uma outra face. Hazlitt argumenta que:
“Arkwright inventou, em 1760, sua máquina de tecer algodão […] Calculava-se haver na Inglaterra, a esse tempo, 5.200 fiandeiros usando rocas de fiar e 2.700 tecelões, ao todo, 7.900 pessoas empregadas na produção de tecidos de algodão. Houve oposição à invenção de Arkwright, sob a alegação de que ela ameaçava a subsistência dos operários, e essa oposição teve que ser dominada pela força. Entretanto, em 1787 — vinte e sete anos depois do aparecimento da invenção — uma investigação parlamentar mostrou que o número de pessoas que estava trabalhando em fiação e tecelagem de algodão havia subido de 7.900 para 320.000: um aumento de 4.400%.”
Portanto, a poupança que permitirá o aumento da complexidade econômica, parece ser uma variável importantíssima para um crescimento econômico sustentável. Como diria De Soto:
“Este é, em síntese, o processo de crescimento e desenvolvimento econômico mais saudável — com lastro em poupança³ — e mais sustentável que se pode imaginar, ou seja, aquele que apresenta menos desajustes, tensões e conflitos econômicos e sociais e que, historicamente, se verificou em várias ocasiões, tal como já demonstraram os estudos mais fiáveis.”
Conclusão
Só teremos coelhos para oferecer aos nossos próximos se abdicarmos de consumir os mesmos. Recursos escassos não podem ser consumidos e investidos simultaneamente. O erro dos desenvolvimentistas é não compreender o básico da economia: o investimento só surgirá de um recurso não consumido. Ainda que alguém me dê um recurso para investir, este recurso precisou ser poupado inicialmente. Portanto, para uma economia onde o crédito é ofertado, porém não há poupança, só podemos concluir que esse crédito surgiu artificialmente — e estará sob a vigência das leis econômicas.
A restrição orçamentária reduzida no futuro, coordenará o mercado para o consumo atual — que é artificial — e que, quando ter seu nível de consumo reduzido, mostrará que os empregos, antes atraentes, eram baseado em informações falsas, o que gerará o desemprego futuro. A restrição orçamentária no longo do tempo irá estagnar a economia que estava voltada para o consumo — informação real — mas tomou decisões baseando em investidores com baixa preferência temporal — informação falsa.
E, novamente, admitir que não é necessário poupança para que haja crédito para estimular investimento é advogar pela impressão de unidades monetárias para permitir estes investimentos. Se alguém, em sã consciência, realmente acredita que esta é a solução, então por qual motivo não advoga pela impressão monetária ad infinitum? A resposta é que, no fundo, eles sabem que este tipo de política será desastroso — pois no fundo de seus corações, sabem da veracidade das leis econômicas.
OBSERVAÇÕES
[1] x1 e x2 são quantidades específicas dos bens 1 e 2, respectivamente.
[2] Isso corre pois estamos falando em termos de x2, caso fosse em termos de x1, a linha reta se daria pela função de -p2/p1.
[3] Adição minha.
REFERÊNCIAS
DE SOTO, Jesús Huerta. Moeda, crédito bancário e ciclos econômicos. LVM Editora, 2012.
HAYEK, Friedrich August von. Desemprego e política monetária. LVM Editora, 2017.
HAZLITT, Henry. Economia numa única lição. J. Olympio, 1986.
KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Editora Saraiva, 2017.
SAY, Jean-Baptiste. A Treatise on Political Economy or the Production. Distribution and Consumption of Wealth, New York: Kelley, 1964.
VARIAN, Hal R. Microeconomia-princípios básicos. Elsevier Brasil, 2006.
VON MISES, Ludwig. A ação humana. LVM Editora, 2017.