Bitcoin, uma breve análise

Henrido
9 min readNov 7, 2020

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Para quem me acompanha, sabe que meu maior interesse na discussão na economia é sobre epistemologia, método e teoria monetária. Hora ou outra sempre comento sobre estes assuntos. Sobre epistemologia e método, já fiz tratativas formais sobre o que presumo ser a base correta para as Ciências Econômicas. Para teoria monetária, fiz um pequeno escrito — que precisa de algumas correções — explicando o que é e como ela se manifesta na realidade — o que é coerente com meu escrito sobre epistemologia e metodologia.

Porém, assim como falar de teoria monetária te fará explicar, historicamente, os metais como um meio de troca, atualmente te fará explicar como é possível a criptomoeda. Até agora, este último assunto não foi abordado por mim, o que será feito agora neste escrito.

Contexto histórico

Foi justamente após o grande colapso do sistema financeiro dos Estados Unidos em 2008 — consequência do Collateralized Mortgage Obligation (CMO) — , que em outubro, Satoshi Nakamoto, um pseudônimo, divulgou um artigo explicando o que viria a ser o Bitcoin e o software em que o sustentaria: o blockchain. Podemos dizer, portanto, que foi em 2009 que se lançou ao mundo a maior inovação financeira e tecnológica.

Nakamoto permitiu a existência de uma alternativa aos arranjos mercadológicos centralizados das transações financeiras virtuais. Seu projeto visava uma autonomia descentralizada, onde, mediante aos incentivos mercadológicos, as validações das transações e, por conseguinte, a distribuição da oferta de Bitcoins¹, se dariam pelos agentes participantes do sistema, não por um governo. Podemos até dizer que, caso o blockchain tivesse sido aderido antes, as CMO’s poderiam ser rastreadas, colocando em evidências as relações entre elas, dando mais transparência aos títulos, mitigando as consequências, ou até mesmo o acontecimento, da crise financeira.

O sistema por trás do Bitcoin

Entende-se por “tecnologia blockchain” o conjunto de hardwares, softwares e usuários, tratando-se de um computador individual. A criptomoeda, o bitcoin, é o resultado de uma codificação do software que faz parte da tecnologia blockchain.

Pelo fato do software ser código aberto, qualquer pessoa pode acessar a tecnologia para gerar bitcoins, que não necessariamente significa ofertar bitcoins, ou alterar o algoritmo e, assim, criar outros criptoativos. Alterar ou apagar os registros dos blocos é teoricamente impossível, ainda que hajam controversas.

“O Bitcoin com ‘B’ maiúsculo é uma plataforma que carrega dinheiro programável, conhecido como bitcoin com ‘b’ minúsculo” (BURNISKE e TATAR, 2017)

Os bitcoins serão gerados pelos “mineradores”, que são indivíduos, com seus computadores, que competem entre si para gerar transações no blockchain. Os blocos de transações são agrupados pela “prova de trabalho”, onde os mineradores resolvem “quebra-cabeças criptográficos” para obter acesso e, assim, anexarem ao blockchain — permitindo que novas transações ocorram². Portanto, é justamente pelo esforço que eles empenham, que são compensados com novos bitcoins.

“A real mineração de bitcoins é puramente um processo matemático. Uma analogia útil é a procura de números primos: costumava ser relativamente fácil achar os menores (Erastóstenes, na Grécia Antiga, produziu o primeiro algoritmo para encontrá-los). Mas à medida que eles eram encontrados, ficava mais difícil encontrar os maiores. Hoje em dia, pesquisadores usam computadores avançados de alto desempenho para encontrá-los, e suas façanhas são observadas pela comunidade da matemática (por exemplo, a Universidade do Tennessee mantém uma lista dos 5.000 maiores)” (ULRICH, 2017)

Graças aos incentivos mercadológicos, portanto, há uma coordenação espontânea no blockchain. Não há necessidade de um intermediador para que o Bitcoin opere, já que seu sistema é peer-to-peer — ponto-a-ponto. O gasto duplos, fenômeno computacional onde um arquivo digital é multiplicado ao ser enviado, não está presente nas transferências da moeda, impedindo-a de se inflacionar mediante transações. Não está presente, pois, o Bitcoin opera sob o ledger — livro-razão, para rastrear as contas e seus balanços. Tão logo, sempre que uma transação ocorre, a rede blockchain “checa”, mitigando assim a duplicação.

A segurança do sistema é baseada na criptografia de chave-pública. Cada indivíduo participante da rede possui um par de chaves: uma pública e outra privada — podemos dizer que esta última se assemelha a uma senha de acesso. Tão logo, quando você envia bitcoin para alguém, você expressa isso com sua chave-pública, mas assina com a chave-privada.

“É justamente pelo fato de ser um network global descentralizado, que o Bitcoin é virtualmente impossível de ser desligado” (BRITO, CASTILLO e CENTER, 2013)

Características inerentes

Intermediários e corretoras não são requisitos necessários para a valorização da moeda. O Bitcoin, particularmente, possui um custo de transação muito reduzido, que poderá ser benéfico para pequenas empresas com margens de lucro reduzidas, uma vez que seus custos — em termos absolutos — são menores. A composição do preço quando o produto é colocado a venda, possui diversos fatores, desde a possibilidade do estoque não ser vendido, até o risco de fraudes — a composição do preço não indicará que aquele é realmente o preço do mercado, o preço é formalizado tanto por demandante quanto por ofertante. Como a transação de Bitcoin é irreversível, não há como haver a “fraude por estorno”, onde os compradores com o cartão de crédito alegam algo que não chegou e solicitam um reembolso, o que pode tornar a composição do preço de venda menor que um preço onde se considera a expectativa do “custo da fraude”.

O Bitcoin permite acesso facilitado a população mais pobre acerca de serviços financeiros, principalmente para aquele que não possuem acesso ao sistema financeiro tradicional. Nós temos casos de venezuelanos que vivem nos Estados Unidos enviando bitcoins para sua família, alegando que graças a isso, suas famílias passam menos dificuldades. Além do mais, o bitcoin pode proteger a liberdade dos consumidores contra atrocidades governamentais — como cobrança de impostos e inflação.

Em sua obra “Desestatização do dinheiro”, Hayek deixa claro que o dinheiro só se tornou possível, além das condições econômicas, pelo fato dos indivíduos aprenderem a fazer contas em unidades monetárias. Podemos dizer que a aceitação das criptomoedas só poderá ocorrer quando a população compreende como usá-la e que uma mudança cultural que direcione para o uso de criptomoedas possa ser um grande passo para a sua aceitação.

Além deste requisito necessário, algo que também precisa ser superado é a sua volatilidade. Desde a sua criação, obviamente houve uma grande valorização, porém, houveram mais de cinco significantes ajustes de preços, o que abre porta para o discurso de “bolha”, o que pode ser uma barreira para a aceitação da criptomoeda. Ainda que há quem transacione justamente pela redução dos custos, o que se dá a entender é que quem usa desta tecnologia, o faz por mera “especulação financeira”.

A utilidade mercadológica

É incrível como uma compra de U$100,00 em bitcoins em junho de 2010 se tornou U$1,3 milhão em janeiro de 2017. Principalmente quando comparamos com U$100,00 investidos na S&P 500, que chegariam a U$242,00. Claro, assim como outro ativo, ele também possibilita o prejuízo, como o pessoal que entrou em dezembro de 2017, onde, meses depois, houveram quedas significativas.

A utilidade projetada até o bitcoin é, assim como a utilidade de qualquer recurso, derivado do fim que o indivíduo pretende alcançar. Entender que não existe um “fator estático” para demanda e oferta é muito importante, principalmente em termos de moeda. Apesar de haverem “economistas” comentando que o bitcoin não serve como reserva de valor, há o registro histórico que com a crise financeira em Chipre, com o governo declarando confisco financeiro do compulsório nos depósitos bancários, houve um aumento na demanda pelo criptoativo, aumentando em até 700% o valor do bitcoin. Portanto é falso a narrativa de que o bitcoin serve somente como “especulação”³.

Não é apenas a narrativa de que as altas são causadas apenas pela especulação é falsa. Conferir a especulação a causa da queda também é falsa. Veja, em 2013 também teve um aumento na demanda da criptomoeda pela população chinesa, porém o People’s Bank of China, ao reconhecer este fato, reprimiu seu uso. Se tenho no meu campo informacional que meus meios possuem riscos de acarretar em prejuízos por conta de uma determinação de outrem, eu levo isso em consideração, fazendo com que eu não aja, ou, aja usando outros meios para compensar o risco.

Há investidores propensos a adentrarem em projetos inovadores e com a Initial Coin Offering (ICO), é possível abrir este mercado para pessoas com menor poder aquisitivo. Quando trabalhava em banco, era muito comum clientes solicitarem o serviço do Western Union, um processo um pouco burocrático que, em algumas vezes, exige a abertura da conta. Porém, com a criptomoeda, isso se torna obsoleto, principalmente quando se pode transferir recursos para países de economia mais fechada, podendo, em muitos casos, salvar famílias.

As ICO’s também são acusadas de promover apenas “especulação”, porém, é tido que qualquer criptomoeda que se lance ao mercado que queira ser adotada usará do white papper. Este white papper terá as especificidades do ativo, os problemas que ele buscará solucionar, informações técnicas e como será seu sistema de emissão.

O desafio político

Como já foi citado, o People’s Bank of China, ao reconhecer o fato de que a demanda por criptomoeda havia crescido, reprimiu seu uso. Assim como qualquer relação mercadológica, existe a possibilidade de gerar distorções nas ações dos agentes mediante coerção ou ameaça da coerção.

Apesar de dar mais liberdade ao indivíduo, uma criptomoeda que possui a “estrutura de produção” com a maioria dos agentes em um país, estes estão a mercê das ações do governo deste país. Portanto, caso todos os mineradores de Bitcoin, por exemplo, se encontrassem na China, podemos dizer que o efeito de reprimir a criptomoeda geraria um grande impacto nas relações mercadológicas envolvendo o criptoativo. Podemos dizer, portanto, que a descentralização é um fator que determinará a utilidade esperada dos agentes.

“Quando a economia monetária ainda estava expandindo-se lentamente nas regiões mais remotas e um dos principais problemas era ensinar a numerosos indivíduos a arte de fazer cálculos em dinheiro (o que não se deu há tanto tempo assim), nessa época, talvez, um único tipo de dinheiro, de fácil identificação, possa ter sido de considerável valia” (HAYEK, 2017)

A maior restrição que o estado pode fazer a criptomoeda, é não abrir mão do uso das cédulas de papel. Assim que a moeda se tornar digitalizada, as pessoas começarão a usar da tecnologia para poder fazer transferências umas as outras, o que dará a elas a capacidade de se relacionar com as criptomoedas. Esta tradição fará com que a restrição “cultural” seja reduzida, tornando o Bitcoin cada vez mais próximo de ser tornar um meio circulante “mainstream”.

Conclusão

Negar que o bitcoin é uma moeda é um erro grosseiro, semelhante a admitir algo como direito simplesmente por haver demanda por este algo. Os argumentos que elencam ele como meramente “especulativo” são falsos e parecem partir de um desconhecimento da função deste recurso. O crescimento do Bitcoin se tornou muito comum, principalmente, em países com alto nível de inflação, corroborando com o argumento de que a criptomoeda terá utilidade para combater crises do próprio setor financeiro e das moedas fiduciárias, o que torna sem sentido admitir que ele falhou quando a crise se origina por um problema de produção e distribuição — caso do coronavírus. Considerando a tecnologia blockchain, o aumento do interesse pelo bitcoin pode evidenciar como as transações por criptomoedas conseguem ser mais eficientes. Esse cenário já foi percebido até pelo próprio sistema financeiro tradicional.

OBSERVAÇÕES

[1] Eu gosto de comparar a distribuição da oferta de bitcoins pelos “mineradores” com o arranjo de mineradores em épocas onde o ouro era tido como meio de troca, usando da senhoriagem da moeda para ofertar mais ou menos ouro na economia.

[2] Por isso que “51% attack” é uma preocupação válida.

[3] Qualquer ato é uma especulação, uma vez que não temos certeza que os eventos externos podem corroborar com nossa ação para que nosso fim seja atingido. Neste momento, uso especulação apenas como tentativa de adquirir renda se aproveitando da volatilidade de um recurso.

REFERÊNCIAS

BRITO, Jerry; CASTILLO, Andrea. Bitcoin: A primer for policymakers. Mercatus Center at George Mason University, 2013.

BURNISKE, Chris; TATAR, Jack. Cryptoassets: The innovative investor’s guide to Bitcoin and beyond. McGraw Hill Professional, 2017.

HALE, Galina et al. How futures trading changed bitcoin prices. FRBSF Economic Letter, v. 12, p. 1–5, 2018.

HAYEK, Friedrich A. Desestatização do dinheiro. LVM Editora, 2017.

MISES, Ludwig von. Ação humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

MISES, Von; LUDWIG. Theory of Money and Credit. 1980.

TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain revolution: how the technology behind bitcoin is changing money, business, and the world. Penguin, 2016.

ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. LVM Editora, 2017.

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Written by Henrido

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