A relação entre consumo e desemprego

Henrido
7 min readNov 10, 2019

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Eu estava finalizando um escrito sobre o argumento Popperiano do método empírico e me deparei com um outro vídeo do Paulo Gala. Apesar de haver algumas provocações, eu decidi simplesmente me ater ao argumento que irei discutir aqui. Para Gala, “a redução do consumo gera o desemprego”. Ou seja, a priori, existe uma relação inversamente proporcional entre ambos onde o nível de consumo causa o desemprego. Será que isso procede?

A lei de Say: versão deturpada

O primeiro contato que tive com a Lei de Say, foi em minha aula de macroeconomia, onde temos ela — a lei de Say — descrita como “uma ideia errônea de que a oferta é criada pela demanda”. Esta citação está presente no livro da “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, de John Maynard Keynes.

Eu não sei como as pessoas, em geral, são, mas quando eu vejo uma referência, eu vou atrás da fonte para ver se bate com o que foi falado — foi assim que virei um adepto a Escola Austríaca de Economia, por sinal. Quando li o “ Tratado da economia política” da série “Os Economistas” de Say¹, não consegui encontrar a interpretação Keynesiana deste livro. E nem me refiro buscar as mesmas palavras usadas, pois elas podem ser um corolário da interpretação do livro. Não estou afirmando que Keynes não tenha lido Say — ainda que Hayek tenha afirmado que Keynes leu pouco sobre os clássicos — , mas que sua interpretação está incorreta.

A lei de Say e o que ela de fato diz

Quando li o tratado de Say na busca da interpretação de Keynes, o que considero a escrita que poderia justificar a fala de Keynes se encontra na página 134 em diante — na versão americana. Say abre o argumento onde comenta que “o dinheiro não é um fim em si, mas sim um meio para você adquirir um determinado produto — consumir” e que “ao finalizar seu produto, o produtor estará ansioso para vender o mesmo, buscando evitar a perda do valor de seu produto; também é verdadeiro que ele buscará um fim para seu dinheiro, que também é perecível, e a única forma de fazer isso será na compra de novos produtos. Portanto, a mera criação de um determinado produto, possibilita a criação de novos mercados”.

Me parece sensato dizer que a produção possibilita o consumo, e não o cria automaticamente conforme admitido erroneamente. E faz sentido pensar isso. A lei de Say, em última instância, é admitir a obviedade de que a produção precede o consumo.

Se eu pudesse criar um mapa verbal da lei de Say, eu diria que seria da seguinte forma: usamos de um meio — recurso escasso — que não foi consumido para disponibilizar determinados recursos para um consumo futuro; o tempo entre a disponibilização deste recurso até o seu fatídico consumo é conhecido como poupança; esta poupança possui uma identidade com o investimento — realocar recurso na expectativa de aumentar seu retorno num futuro; este investimento possibilitará uma produção de valor maior no futuro; esta produção ocorrerá na expectativa de que o recurso seja consumido no futuro.

Ou seja, poupança é um não-consumo que possibilita o investimento, que será usado para aumentar a capacidade produtiva na expectativa de que alguém consuma este determinado recurso. Portanto, a produção ocorrerá na expectativa de que alguém demande este recurso para que eu obtenha um determinado bem — como o dinheiro que me será ofertado, por exemplo — para eu poder dar o fim, que mais valorizo, para ele — consumir ou investir o mesmo.

Say ainda determina, como exemplo, que “uma boa colheita é favorável, não apenas ao agricultor, mas, também, para todos os revendedores de todas as mercadorias em geral. Quanto maior a colheita, maiores serão as compras dos produtores — margem para má interpretação, já que não trata da possibilidade de uma maior compra, mas sim de uma certeza. Uma colheita ruim, pelo contrário, prejudica a venda de mercadorias em geral. E assim também é com os produtos de fabricação e comércio. O sucesso de um ramo do comércio fornece meios de compra mais amplos e, consequentemente, abre um mercado para os produtos de todos os outros ramos; por outro lado, a estagnação de um canal de manufatura ou comércio é sentida em todo o resto”. O que torna ainda mais fatídico a interpretação de que, a lei diz que a produção precederá o consumo e ocorrerá na expectativa de uma determinada demanda que possibilitará novos mercados e novas demandas no momento em que a expectativa se concretiza.

A primeira publicação do tratado de Say foi em 1803, porém seus ensinamentos são válidos até hoje. Veja, ainda em 1803, como poderá ser visto na página 139, Say diz que “[…] o mero consumo não beneficia o comércio; pois a dificuldade reside em fornecer os meios, não em estimular o desejo de consumo; e vimos que somente a produção fornece esses meios. Assim, o objetivo do bom governo é estimular a produção, do mau governo, incentivar o consumo”. Eu discordo da necessidade de uma política para qualquer relação humana, mas a política de estimulo ao consumo se mostrou muito danoso nos últimos tempos.

A real causalidade entre consumo e desemprego

É muito importante distinguir correlação com relação causal. A correlação indicará o “grau de associação linear” entre duas variáveis. A causalidade “não se dará, apenas, pela mera dependência de uma variável comparada com a outra”, mas sim de “nossas ideias sobre a causalidade” que “virá de fora da estatística, virá de uma teoria”. A causalidade, portanto, deve recorrer aos juízos a priori.

Veja, eu não abri este escrito com a lei de Say à toa. Eu abri deste modo para, justamente, seguir o “manual econométrico” e definir o que de fato causa o que. Não vejo como é possível o baixo consumo causar desemprego se, para consumir algo, é necessário que haja uma produção prévia. Ou seja, é justamente o fato de que há trabalhadores que “novos mercados podem ser abertos” no momento em que o produto produzido foi consumido: é justamente pelo fato de indivíduos terem seus empregos que o consumo é possibilitado.

Pode-se até definir que um determinado nível de emprego permitiu um determinado nível de consumo e que, as realizações do consumo do que foi produzido, permitiu novos mercados, mas é justamente quando regredimos ao máximo é que percebemos que, no fim, o que permitiu o consumo foi o emprego — e não o contrário.

Empregos equivocados geram desemprego

O que gera desemprego não será o baixo consumo, pois este evento só ocorre por conta de um simples fator: a má alocação de recursos do setor produtivo. É justamente por eu errar as minhas expectativas é que, determinados bens ficarão em estoques e não serão consumidos — não permitindo que eu receba o dinheiro e crie, possivelmente, novos mercados. Veja, eu nem estou apontando o que pode causar a má alocação de recurso, pois há vários fatores além das interferências estatais. Meu argumento aqui é que o emprego só gerará um consumo da medida em que as expectativas do empreendedor estiverem corretas e que, portanto, qualquer emprego que surja por conta do acerto da expectativas, ou seja, pelo consumo que ocorreu, não torna o argumento de que determinado consumo tenha uma relação inversamente proporcional com um determinado nível de desemprego: uma vez que foi um emprego inicial que possibilitou um consumo e, portanto, este outro emprego hipotético.

Ora, se o emprego só gerará um consumo da medida em que as expectativas do empreendedor estiverem corretas, porém, se ele errar na suas expectativas e não haver consumo de seu produto, então podemos admitir que, além novos mercado não serem possíveis de criar — ele não terá o dinheiro para consumir demais produtos — , a decisão errônea de empregar alguém na expectativa de um consumo que não se realizou poderá gerar o desemprego futuro deste mesmo indivíduo ao mesmo tempo que não permite que novos empregos sejam criados. Ou seja, a má alocação de recursos — empregar alguém para produzir algo na expectativa de que seja vendido — não causou um consumo que, portanto, não permitiu aberturas de novos mercados e, caso isso venha a se repetir, não haverá sentido em manter o empregado e a respectiva produção.

Conclusão

O erro em achar que baixo consumo gera desemprego está em não estabelecer a causalidade corretamente — o que é muito comum. Se fosse para expressar matematicamente a relação entre consumo e desemprego, fará sentido os equívocos que ocorrem na leitura dos mesmos, conforme equação abaixo:

Como argumentei, não há como consumir algo sem que haja um determinado nível de produção — realocar ao menos um recurso escasso para direcionar um determinado recurso para um consumo esperado — prévia. Portanto, é fato que, para alguém consumir algo, ela precisará produzir antes — ela precisará ter um emprego ou espoliar o recurso. Ainda que o consumo se realize e gere outros empregos, isso só será possível por conta de um emprego inicial, conforme argumenta Say — que não, nunca disse que a oferta gera uma demanda.

OBSERVAÇÕES

[1] Quando li o “Tratado da Economia Política”, li a versão em português, porém como só tinha disponível na biblioteca, eu tive que referenciar, no escrito, com o livro em inglês.

REFERÊNCIA

GUJARATI, Damodar N.; PORTER, Dawn C. Econometria Básica-5. Amgh Editora, 2011.

HAZLITT, Henry. Economia numa única lição. J. Olympio, 1986.

KEYNES, John Maynard. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Editora Saraiva, 2017.

SAY, Jean-Baptiste. A Treatise on Political Economy or the Production. Distribution and Consumption of Wealth, New York: Kelley, 1964.

VARIAN, Hal R. Microeconomia-princípios básicos. Elsevier Brasil, 2006.

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Written by Henrido

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