A crítica a Escola Austríaca: apriorismo e o empirismo

Henrido
7 min readOct 27, 2019

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Já foram diversas as vezes que, em uma discussão qualquer, eu me deparava com diversos mitos sobre a Escola Austríaca. Mitos que não se apresentam, apenas, pelos opositores teóricos, mas que se mostravam presentes pelos próprios “austríacos”. Falo por experiência própria. Um dos mitos que irei trazer é o “apriorismo puro” sem qualquer consideração pela experiência.

Quando falo “por experiência própria”, é pelo fato de que já fui um defensor do apriorismo puro, negando a necessidade da experiência como forma validar um conhecimento — não confundir validação com origem do conhecimento. Paradigma criado por algumas contribuições que tratavam da Escola Austríaca, porém por interlocutores não “ortodoxos da Escola Austríaca”.

Epistemologia: uma visita necessária

Como um acadêmico de Ciência Econômicas e adepto a Escola Austríaca, para o meio acadêmico, como é uma escola de pensamento não muito presente nas discussões acadêmicas, era necessário que eu justificasse as proposições da Escola Austríaca para que, então, pudesse defender os corolários econômicos. Ou seja, era necessário um estudo mais profundo sobre epistemologia que sustentava a ala da Escola Austríaca¹ em que eu baseava minhas premissas econômicas.

Foi assim que me deparei a necessidade de uma leitura mais profunda em Kant, Popper, Habermas e outros autores de relevância. A primeira quebra de paradigma foi em Kant — pela qual sustentarei meu argumento — , onde ele traz as formas de origem de conhecimento² pela qual o juízo de Individuos agem propositalmente está sustentado. Hoppe admite que Mises tinha uma base epistemológica que foi influenciado por Kant, o que responderá muito esta questão sobre o apriorismo e o empirismo³.

A teoria explica e a empiria comprova: o argumento a priori

Se eu pudesse descrever a metodologia austríaca seria essa: a teoria explica e a história/empiria comprova. Todos sabem que a metodologia principal da Escola Austríaca é a praxeologia. De acordo com a epistemologia Kantiana, ela, a praxeologia, é um conhecimento científico, pois adiciona ao sujeito humano o conceito de agir propositalmente — juízo sintético a priori — , e Mises a traz como um método, pois toda proposição das relações humanas — como economia, por exemplo — que contradiz a praxeologia, estará incorreta. Estarão incorretas pois, a relação humana é uma extensão da ação humana quando se trata de relações intersubjetivas. Então, quando me relaciono com outro indivíduo, eu ainda estou sob as leis praxeológicas.

O argumento que define a Ciência Econômica como apriorística, que para mim é um argumento que o mainstream ainda não superou, é a sequência lógica que começa na ação humana — como um teorema individual — e que terminará na troca de recursos escassos — que formará os mercados e que, por sua vez, formará a economia. É algo similar a “indivíduos agem propositalmente para atingir fins mais satisfatórios entre todos os fins. A troca é uma relação intersubjetiva e que, portanto, é uma categoria da ação. Nós trocamos por valorizarmos mais o que recebemos do que estamos dando — requisito sine qua non para que a troca ocorra. Valorizamos mais este recurso pois temos a expectativa de que este recurso tenha uma utilidade objetiva que é ser o meio necessário para alcançarmos nosso fim mais valorado”.

Por conclusão, fica claro que a troca de recursos escassos é uma extensão da nossa capacidade de agirmos propositalmente, portanto, faz sentido admitir que a ciência que estudo a troca de recurso escassos — ciências econômicas — é uma categoria de uma ciência ainda maior: a praxeologia. Tão logo, um teorema econômico que irá contra os corolários a priori da ciência econômica é um teorema falso. Por isso que os austríacos, até onde meu conhecimento me permitiu concluir, definem a ciência econômica como apriorística e seu método, necessariamente e universalmente — característica de um juízo a priori, conforme Kant — é a priori.

A teoria explica e a empiria comprova: o argumento a posteriori

Definimos a importância dos juízos a priori para a Escola Austríaca de economia, agora meu objetivo é acabar com dois mitos: i) a Escola Austríaca não usa de métodos empíricos e; ii) o método da ciência econômica tem que ser empírico e juízos a priori não nos dizem nada sobre o mundo.

Conforme início, a Escola Austríaca possui diversas alas, mas simplesmente argumentar que uma das alas rejeita a praxeologia e usa do método empírico não me parece satisfatório para responder esta questão. Digo, muita das críticas que ouço é de pessoas sem contato algum com a Escola Austríaca — sim, criticam o objeto sem conhecer o mesmo. Então, ainda que eu pudesse trazer o contraditório citando Hayek, por exemplo, o objetivo deste texto é deixar claro os conceitos da Escola Austríaca. Portanto, meu argumento será em cima dos três autores pela qual sou mais influenciado: Mises, Rothbard e Hoppe.

Para o empirismo, no âmbito social, não existe tal coisa como certeza apodítica. Portanto, se você possui qualquer juízo sobre o âmbito social, você precisará colocar este juízo sob testes. Tão logo, primeiro cria-se uma hipótese, você irá submeter esta hipótese a testes — testes geralmente apriorísticos, devo ressaltar — e, então, você obterá um conhecimento mais útil sobre o tema⁴. Óbvio, é um resumo simples. E eu como um austríaco Mises-hoppeano devo comentar que esta proposição é parcialmente verdadeira.

O juízo de que indivíduos agem propositalmente para atingir fins mais valorados entre todos os fins é uma verdade apodítica, e por este juízo ser universal e necessário, chamamos-os de a priori. Porém, pelo fato de que “ pensamentos sem conteúdos serem vazios”, é que podemos afirmar que o juízo de que indivíduos agem propositalmenteapriori — só nos será verdadeiro e se adequará ao mundo, quando adicionamos elementos da sensação. É, portanto, pelo fato de que João vai comprar um sorvete, que fica evidenciado o juízo a priori de que indivíduos agem. Toda mera experiência que envolve uma ação, validará este juízo como verdadeiro. É justamente pelo fato de que eu quero alcançar um fim com este artigo, e esperar dele a utilidade para ser um recurso necessário para se alcançar um fim, é que agi escrevendo este artigo.

Portanto, é na experiência que envolve as sensações, que validamos os juízos a priori. O que faz sentido, caso contrário, bastaria apenas definir qualquer juízo como apriorístico e ele, então, será verdadeiro. Mas não devemos nos confundir! O juízo a priori surge antes da experiência, a experiência servirá, apenas, como validação e, toda experiência, demonstrará este juízo como verdadeiro. Pois ele é universal e necessário, por isso Mises afirma que “A validade da teoria econômica não se sustenta, portanto, com as investigações empíricas […] Elas — as leis econômicas — existem independentemente das condições particulares de tempo e lugar, e o cientista social os conhece através do raciocínio dedutivo puro”⁵.

Vimos que a experiência tem sua importância para a Escola Austríaca e acabamos por tecer uma crítica ao racionalismo puro. Pois bem, agora faremos o mesmo para o empirismo puro. É necessário o destaque de que “sem o entendimento, nenhum objeto nos seria pensado”, pois é somente com o juízo puro do tempo e espaço é que podemos entender os objetos que possuem sensações.

O empirismo puro, muito presente na academia, que busca anular os juízos a priori, é uma falha metodológica. Como bem definimos, todo juízo que possui caráter universal e necessário, é um juízo que se coloca como a priori. Portanto, o agente acadêmico que busca determinar que apenas o empirismo é o necessário para se obter conhecimento e que juízos a priori não são válidos, ele cairá em uma contradição, pois estará determinando que é necessário e universal que o empirismo seja o método para se obter o conhecimento: a priori, o empirismo é o único método para se obter conhecimento. Ou seja, uma contradição metodológica.

Conclusão

É epistemologicamente falso a negação da Escola Austríaca sobre a experiência. Para nós, o método empírico buscará comprovar um teorema que estará presente no mundo estando sujeita as sensações, nos guiando a entender melhor o mundo em que vivemos — que, novamente, é cheio de sensações. Uma leitura a epistemologia ajudará a entender a questão das experiências para os austríacos. O que defendemos é que a metodologia para validar um teorema, é necessariamente a priori e que nos ajudará a compreender o mundo as sensações que experienciamos dia-a-dia.

É epistemologicamente contraditório a negação de juízos a priori pelo mainstream economics. Isso ocorre pois ele usam de juízo a priori para definir que o empirismo é o método universal e necessário para se obter conhecimento. É natural estabelecer a experiência como requisito necessário para validar um conhecimento, mas só podemos admitir isso a priori. Caso contrário, seria necessário estabelecer um teste para o modelo empírico: este teste não poderá ser universal e necessário, também, então deverá ser submetido a outro teste e assim infinitamente.

REFERÊNCIA

[1] Existem algumas alas na Escola Austríaca, que possuem determinadas concepções metodológicas. Podemos dizer que sou um Mises-Hoppeano.

[2] KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Editora Vozes Limitada, 2017.

[3] HOPPE, Hans-Hermann. A ciência econômica é o método austríaco. LVM Editora, 2017.

[4] CHALMERS, Alan Francis; FIKER, Raul. O que é ciência afinal?. São Paulo: Brasiliense, 1993.

[5] VON MISES, Ludwig. Epistemological problems of economics. Ludwig von Mises Institute, 2002.

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Written by Henrido

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